10 de março de 2017

Dedicado e promíscuo: a pequena história do cachorro morto

Vai, chute o cachorro morto. Pisa, joga na parede, joga para cima. Espreme, rala, arrebenta.
Faça o cachorro morto despedaçar-se.
Faça com que ele desintegre-se
Use todas as suas armas humanas
Use as artes
Use a miséria
Prenda-se ao que só lhe interessa
Pisoteie
Cuspa
Sangre sobre o cachorro morto
Urine
Defeque
É só mais um cachorro morto no caminho, não é?
Por que não ignorar?
Por que não pisar?
De que importa de onde veio esse animal imundo?
De que importa quem o cachorro imaginava ser?
É só um corpo pútrido e fétido.
E então, diante do último chute, amasso, estrago, cuspe, trago e chorume, eis que o cachorro morto está vivo!
Respirava baixo o suficiente para não desgastar-se com tanta gente cruel e desinteressada.
Eis que o cachorro morto não está morto!
Eis que sua hora chegou.
Alguns cachorros estão mortos para a dimensão a que pertencem, mas estão vivos para a sua incrível capacidade de sobreviver às mais crueis obras humanas.
Eis que tais cachorros mortos não estão restritos a universos limitados!
Nem à mentalidade contemporânea do imediatismo.
São pacientes, quietos e podem até parecer fora de lugar, mas estão ali, respirando e sendo muito mais fortes do que os vivos humanos.
Quanto mais chutar, mais resistente será.
Não se engane com o cachorro morto.
Não se engane com quem você acredita ser.

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