But I'm an environmentalist (Nunca fui consumista)
Vivia em um mundo perfeito. Só consumia o necessário. Comida orgânica. Ao contrário do restante da minha família, eu não comia nada que comprava no mercado, para diminuir o lixo. O que sobrava, ia para a horta. Nunca gostei de comer carne. E nenhum produto industrializado.
Tinha o mesmo celular há quatro anos. Procurava descartar o lixo eletrônico adequadamente. Usava as mesmas roupas há alguns anos, apenas cuidava de customizá-las. Customizava as roupas de toda a minha família. Trocava roupas que já não serviam pela internet.
Embora tivesse mais de dezoito anos, não queria ter meu próprio carro. Andava sempre de bicicleta. E quando era difícil andar de bicicleta em alguns lugares, pegava carona ou utilizava o transporte público.
Reutilizava todas as embalagens possíveis. Conversava com os vizinhos e pedia para eles separarem o lixo, inclusive o eletrônico, e deixar comigo, que eu descartaria de forma adequada.
Praticava os 3 R's e quantos mais R's fossem possíveis. Sofri bullying na escola por isso. Colavam em minhas costas um papelzinho escrito "Ecochata".
Não via graça em comprar o que não fosse necessário. E sim aprimorar o que eu já tinha. Além de que gostava das coisas simples da vida. Preferia passar um dia na praia, ao invés de desperdiçá-lo no shopping ou em balada.
Um belo dia, cheguei em casa e boa parte de minha família estava reunida, junto a um homem com uma camisa, onde havia o símbolo da reciclagem, envolto por uma tarja vermelha e os dizeres: "Ecochatos nunca mais".
- O que houve? Alguém morreu?
- Não, querida. Precisamos falar com você. Sobre seus comportamentos.
- Sim, filha. Temos reparado alguns comportamentos anormais em você e achamos que precisa de ajuda.
- Procuramos o Sr. Dias, o qual acreditamos que possa ajudar você.
- Bom dia, Srta. Farias. Eu sou o Sr.Dias, presidente do acampamento: "Ecochatos nunca mais". Aqui está o folheto com as informações. - ele parecia medonho. Trajava um terno aparentemente novo, os dentes super brancos, a pele muito lisa, e o cabelo bem arrumado, com um cheiro de laquê horrível. - Nossos programas são voltados para acabar com essa "mania de sustentabilidade", a qual nada mais é do que uma doença, assim como o TOC e tantas outras. Reconhece alguns dos sintomas?
Embora tivesse mais de dezoito anos, não queria ter meu próprio carro. Andava sempre de bicicleta. E quando era difícil andar de bicicleta em alguns lugares, pegava carona ou utilizava o transporte público.
Reutilizava todas as embalagens possíveis. Conversava com os vizinhos e pedia para eles separarem o lixo, inclusive o eletrônico, e deixar comigo, que eu descartaria de forma adequada.
Praticava os 3 R's e quantos mais R's fossem possíveis. Sofri bullying na escola por isso. Colavam em minhas costas um papelzinho escrito "Ecochata".
Não via graça em comprar o que não fosse necessário. E sim aprimorar o que eu já tinha. Além de que gostava das coisas simples da vida. Preferia passar um dia na praia, ao invés de desperdiçá-lo no shopping ou em balada.
Um belo dia, cheguei em casa e boa parte de minha família estava reunida, junto a um homem com uma camisa, onde havia o símbolo da reciclagem, envolto por uma tarja vermelha e os dizeres: "Ecochatos nunca mais".
- O que houve? Alguém morreu?
- Não, querida. Precisamos falar com você. Sobre seus comportamentos.
- Sim, filha. Temos reparado alguns comportamentos anormais em você e achamos que precisa de ajuda.
- Procuramos o Sr. Dias, o qual acreditamos que possa ajudar você.
- Bom dia, Srta. Farias. Eu sou o Sr.Dias, presidente do acampamento: "Ecochatos nunca mais". Aqui está o folheto com as informações. - ele parecia medonho. Trajava um terno aparentemente novo, os dentes super brancos, a pele muito lisa, e o cabelo bem arrumado, com um cheiro de laquê horrível. - Nossos programas são voltados para acabar com essa "mania de sustentabilidade", a qual nada mais é do que uma doença, assim como o TOC e tantas outras. Reconhece alguns dos sintomas?
Mania de Sustentabilidade (MS)
Sintomas
3 R's
Usar as mesmas roupas e eletrônicos por anos (pode chegar a décadas)
Trocar roupas que não servem, via internet
Saber o que significa sustentabilidade
Recolher o lixo eletrônico dos vizinhos e enviá-los para ONG's especializadas
Acreditar que o homem é parte do ecossistema
Mania de preservação
É fã de famosos que praticam o vegetarianismo ou que contribuem para alguma ONG
Contribuir para alguma ONG de meio ambiente
Fazer graduação em alguma área ambiental
Achar que a indústria é algo ruim
Vegetarianismo
Mania de diminuir o consumo de energia, água, alimentos, etc.
Pensar antes de consumir
Achar que o meio ambiente é importante
- E então?
- Possuo todos os sintomas. Sou uma ecochata!
- Sim, você é, mas não se preocupe. A "Ecochatos Nunca Mais" promete te ajudar, a partir de nossos programas.
- Todos esses anos, as pessoas me xingando, colando papel nas minhas costas, mandando mensagens anônimas, e eu não percebi isso.
- É muito difícil para o portador de MS perceber que possui uma doença.
- Querida, estamos realmente muito preocupados com você. Por isso lhe inscrevemos neste acampamento.
- Espero que não se sinta mal por isso. Vai ser melhor assim.
Todos me encaravam. Esperavam que eu fosse dizer alguma coisa. Fiquei sem reação. Nunca imaginei que isso fosse alguma doença. Achava que era importante para o próprio mundo, ser dessa forma.
- Fiz as suas malas. Coloquei aqui alguns daqueles cd's que você gosta e alguns livros também. - minha irmã, Hélia, se aproximava com duas malas, compradas recentemente. - Melhoras.
Minha família se despediu de mim, aos prantos, e abraçando o mais forte que conseguiam. Sempre com um "sentirei sua falta", "melhoras", "é o melhor pra você", etc.
Quando cheguei ao acampamento, me deparei com pessoas iguais à mim. Usavam roupas aparentemente velhas, mexiam em celulares antigos, e alguns comiam frutas, ao invés de qualquer produto industrializado.
- Sejam bem vindos ao acampamento:"Ecochatos Nunca Mais"! Deixe-me conduzi-los a seus aposentos e apresentar o acampamento. - uma mulher medonha, com sorriso extremamente branco, ligou as luzes coloridas, mesmo estando de dia. Depois, ligou o rádio, com o som o mais alto possível.
Os quartos possuíam ar condicionado, aquecedores, televisores, geladeiras, lâmpadas de luzes coloridas por toda a parte, chuveiro a gás, umidificador de ar, home theater, etc. Imagina tudo isso e mais coisas que consomem bastante energia? Exatamente. Um pesadelo.
Havia vários guarda-roupas com diversas roupas novas, uma para cada dia do ano.
- Aprontem-se para a primeira lição! Espero vocês no saguão.
No quarto em que fiquei, havia seis camas espalhadas. Todas elas bem novas. E seis guarda roupas lotados de roupa nova. Havia até maquiagem. Além de sapatos dos mais variados tipos e bolsas.
- Isso parece um pesadelo. - uma menina com dread's não parecia nada feliz com isso. - Nunca usei maquiagem.
- Aqui no panfleto diz que devemos usar. - uma menina com a camiseta do "Bob Marley" a respondeu.
- Cara, Bolsa de couro! Fala sério! E essa blusa de pele de animais. Ugh! - uma menina com ecobag não parecia nada feliz.
Peguei qualquer roupa que vi pela frente. Passei só um lápis no olho. A supervisora invadiu o quarto para nos repreender.
- Meninas, nada de economizar! Abusem da maquiagem! - ela começou a ajudar algumas meninas a se maquiar. Ficamos parecendo bonecas. Aquelas barbie's.
Após essa primeira etapa do pesadelo, fomos conduzidas ao saguão. As luzes coloridas piscando. Ar condicionado e umidificador ligados.
- Nessa primeira lição, vocês vão aprender a consumir de verdade. Nada de economizar!
Dividiram o grande grupo de pessoas em grupos, cada um com um supervisor diferente. O meu grupo ficou com um supervisor todo maquiado, com o cabelo arrepiado cheio de laquê.
Nos deram caixas de roupas. A lição consistia em jogar no lixo as roupas desbotadas, rasgadas, com furos, linhas sobrando e qualquer coisa que desse aspecto de velhas ou que não parecesse legal. Tinha várias ali, que era só costurar ou customizar, que dava tranquilamente para usá-las. Só que pelo que explicaram, deveríamos descartá-las.
Depois das roupas, vieram os eletrônicos. Deveríamos descartar qualquer eletrônico que tivesse a tela quebrada ou que estivesse antigo. Salvaríamos apenas os eletrônicos que eram lançamentos do ano, independente se os antigos eram melhores ou se estavam em perfeito funcionamento. Se tivessem sido lançados no ano passado, ia para o lixo.
Os próximos itens eram livros. Seguiam o mesmo padrão dos eletrônicos: só seriam salvos os lançamentos do ano. Nada de livros antigos. Nada de tentar recuperar. Nem encadernar.
Ursinhos de pelúcia e bonecas foram jogados no lixo. Afinal, as crianças só brincavam com eletrônicos novos agora.
Aprendemos a passar bastantes produtos no cabelo. Maquiagem também. Coloriram nossos cabelos com várias tintas. Ficamos com o cabelo parecendo um arco íris. Fizeram tatuagens, as mais diversas. Fizeram a gente jogar os cd's e dvd's fora, e comprar eletrônicos novos que os continham. Todas as nossas roupas velhas foram para o lixo. Todos os livros e revistas também. Nossos eletrônicos mais antigos. Tudo. Tínhamos que consumir apenas o que era novo. Trocaram nossas bicicletas por motocicletas e carros.
Para o almoço, serviram enlatados e vários produtos industrializados. Incluindo sucos e refrigerantes. Próxima à copa, havia vários televisores ligados, com o som bem alto. E para a sobremesa, havia chocolates, bolos industrializados, balas, chicletes e todas essas coisas que eu odiava.
Depois do almoço, nos ensinaram a escovar os dentes e deixar a torneira aberta enquanto isso. Além da luz acesa. Precisávamos escovar os dentes mais de três vezes ao dia, para garantir que estivessem limpos. Tínhamos de lavar as mãos várias vezes também. E banho, três ao dia eram pouco. Tínhamos que tomar pelo menos seis, com água quente, usando bastantes produtos de limpeza, e ficando o maior tempo possível debaixo do chuveiro. No mínimo trinta minutos tomando banho.
As roupas que já usamos, não iam para a lavanderia. Eram descartadas, e éramos obrigadas a comprar outras. Segundo eles, as pessoas não poderiam nos ver reutilizando as roupas, o que pensariam de nós?
Todas as embalagens que utilizávamos também iam para o lixo. Mesmo aquelas que podíamos, de alguma forma, reutilizar. Pintávamos as paredes dos quartos todos os fins de semana. Descartávamos qualquer coisa por qualquer motivo. O celular caiu no chão? Vai pro lixo, porque pode ter bactérias nele. Então neste caso, pegávamos luvas descartáveis, para evitar contato com o celular.
Pratos, utensílios domésticos e copos. Tudo descartável. Nada era lavado e reutilizável. Mesmo que fossem de porcelana, prata, vidro, etc.
As garrafas de água iam para o lixo, assim que a água acabava. Os discos de vinis que algumas pessoas tinham, foram para o lixo. Qualquer coisa que caía no chão, ia para o lixo na companhia de luvas descartáveis. Até mesmo as latas de refrigerante. Reciclar era proibido.
À noite, nos serviram novamente aquele jantar bizarro. Nem a salada era fresca. Tudo era enlatado. Tudo era feito no microondas. Tudo tinha gosto de coisa artificial. E o pior: tudo ia para o lixo.
Nos fins de semana, nossos cabelos seriam cortados. E os fios de cabelo, não seriam doados para instituições que faziam perucas para pessoas com câncer. Iriam para o lixo comum.
Falando em lixo: nada era separado. Tudo ficava junto, de qualquer jeito. Em sacolinhas plásticas do supermercado e em sacos de lixo. Para evitar que alguém tentasse reciclar alguma coisa. Cada dia, era uma tonelada ou mais de lixo.
Escovas de dentes eram descartadas após o uso. Pentes, joias, sapatos, celulares. Tudo era usado apenas uma vez. Inclusive os televisores, aparelhos de som, etc. Nada poderia ser reutilizado.
Entre as várias lições absurdas, nos ensinaram a dirigir e usar o carro para tudo. Deveríamos ir à padaria, bem próxima dali, de carro ou moto. Perto ou longe, deveríamos usar carros e motos, todos os dias. Nunca o mesmo. Tínhamos de sempre comprar novos e descartar aqueles que usamos uma vez.
Uma das meninas que ficava no quarto comigo, Ana Júlia, não resistiu e acabou customizando uma das roupas. Ela foi confinada a trabalhar em uma indústria que despejava todos os dejetos em um rio. No final do expediente, ela teria que nadar naquele rio, e jogar todo o lixo do acampamento nele.
Eu fui pega cuidando da pequena horta, a qual estava escondida abaixo de toneladas de roupas usadas que foram descartadas. Minha punição foi trabalhar com a derrubada de árvores, para ajudar a construir um shopping em uma região, onde costumava ser uma área de preservação permanente. E mais tarde, era obrigada a protestar contra a castração de animais, porque " a natureza fez os animais assim, para que eles se reproduzam o máximo possível", "castração era contra a vida".
Mais uma lição absurda, consistia em criar gado, para vendê-lo às indústrias locais. O esterco não era reutilizado. E tínhamos que derrubar as árvores, para ter mais espaço para o gado, e para as plantações. A derrubada incluía queimadas, para que os animais, como cobras, não nos atacassem.
Havia um movimento de resistência contra esse acampamento. Eram dois senhores que moravam em uma vila ecológica, onde havia várias casas feitas de tijolo ecológico, com uso de energia solar, reaproveitamento da água da chuva, tratamento de resíduos, etc. Enfim, o sonho de qualquer ecochato.
Vários alunos fugiram. Eu permaneci ali naquele pesadelo, pela minha família, a qual se mostrava extremamente preocupada comigo.
A última lição consistia em aprender que o homem é o elemento central do universo e que o meio ambiente não era importante. Nos deram armas para abater animais, segundo eles, por diversão. Deveríamos espancar outros animais. Espalhar veneno para todos os lados, para matar os animais indesejados. Construir calçadas de cimento em todos os lugares possíveis. Não deveríamos deixar um vestígio de natureza ali.
Construímos um pátio, todo cimentado, com os mais variados pisos e tintas. Colocamos televisores e outros eletrodomésticos por toda a parte. Fizemos estacionamentos. Casas de show. Bares. Restaurantes. Não sobrou nada de natureza ali.
No dia da formatura, vários papeis forma jogados. Os mais coloridos possíveis. Recebemos vários presentes descartáveis, muito bem empacotados. Vários doces embalados. E no final da colação de grau, tudo era descartado, inclusive as cadeiras, o palco, as cortinas, etc.
Abracei cada formando, cada funcionário do acampamento, cada membro de minha família, e entreguei vários presentes descartáveis. Joguei papeizinhos para todos os lados.
O movimento de resistência invadiu o lugar. Dessa vez, não resisti à minha vontade de ir com eles. Não aguentava mais os absurdos do consumismo neste lugar. Se as pessoas ao meu redor não podiam me aceitar da forma como sou, então eu deveria procurar alguém que aceitasse. No caso, o movimento "Ecochatos SEMPRE". Adeus, anti-ecochatos.
Adorei! bem bolado!
ResponderExcluirSuele =)