Fomos à casa do Luís. Também não estava lá. Nem o Luís. Devem ter ido se exibir por ai. Odeio esses casais chatos que gostam de se exibir.
Voltamos à minha casa, onde Karol começou a ler mangás em japonês junto comigo, e me explicar como o idioma funciona. Ela é divertida. Gostei do jeito dela.
Apesar do dia ter sido divertido, não me contentei com o fato da Mary não atender minhas ligações. Onde ela estava? No período da tarde, acreditei que estivesse passeando, mas à noite é estranho ela ter sumido, ainda mais que tinha aula amanhã.
Perguntei se Karol queria dar um rolê comigo, para ver se encontrávamos Mary. Ela topou, na maior alegria possível. Ela não parava de falar, achei que fosse tímida. É legal quando as pessoas surpreendem.
Reconheci as mochilas de Mary e Luís perto de uma construção em ruínas. Eles entraram ali mesmo? Abri as mochilas para me certificar. Havia os documentos deles lá. E os objetos da escola.
Karol começou a fazer piadinhas sobre isso. Fiquei com receio de entrar, ver que não era nada demais e os dois estarem ali em um momento íntimo.
Minha consciência dizia que havia algo errado e que eu deveria entrar lá. Segui meus instintos. No maior cagaço, claro. Karol insistiu para que eu não entrasse, afinal, eles namoravam, pode ser que eram esse tipo de casal. Entrei sozinha, ela não quis entrar.
Havia vários cômodos em ruínas. Velas gastas para todos os lados e preservativos usados. Nojo. Tinha marca de fogueira em um cômodo no meio. A construção tinha cheiro de carne queimada.
Até que ouvi vozes. Alguém gritava "Socorro". Mary. Corri em direção ao cômodo mais a frente, de onde a voz pareceu sair. Havia uma senhora empalada, rodando em uma espécie de churrasqueira, daquelas que se faz porco no rollet. Parte da senhora já havia sido devorada.
Mary estava amarrada em cima da churrasqueira. Seria a próxima. Luís estava inconsciente e amarrado em uma espécie de poste.
Corri para fora, para pedir ajuda à Karol. Ela tinha ido embora. A viatura da polícia estava rondando ali. Tentei chamá-los para a construção, mas como me viram sair de lá, nem ligaram, acharam que eu era uma drogada qualquer.
Voltei para a construção. O cabelo de Mary estava começando a queimar. Luís acordou, mas estava tonto. Havia um senhor me encarando, enquanto comia um pedaço daquela senhora. Seu aspecto sujo me lembrava alguém.
Ele se aproximou. Achei que fosse me amarrar e fazer o mesmo que fez com Mary e Luís. "Filha!". "Pai?" Espera. Meu pai? Um mendigo canibal? Ele me abraçou. Claro que fedia.
"Que saudades de você, querida!"
"Pai. Solta a Mary e o Luís, por favor".
"Eles fazem mal a você".
"São meus amigos".
"Eu sei que você ama esse moleque. E que sua melhor amiga está namorando ele de propósito. Você não precisa da amizade falsa deles. O mundo não precisa deles", ele escarrou e depois pigarreou.
"Preciso sim. Mary nunca me abandonaria. Ao contrário de alguns". Ele entendeu a indireta.
"Sua mãe é uma doente! Entendeu? Doente! Se você realmente a conhecesse, faria igual ao seu irmão. Sumiria no mundo e não deixaria pistas".
"Pai. Apenas solte Mary e Luís, e então poderemos conversar, sim?"
"Mary me lembra minha ex namorada. Parecia tão boazinha. Sabe o que ela fez? Me traiu com um cara qualquer da balada, disse que eu era muito certinho e que não queria me dar o fora, porque se desse, eu choraria como um bebê. Meses depois, ela ficou grávida e veio me procurar. Achando que eu ainda a amava. Cuspi na cara dela. E sabe o que fiz depois? Os matei e comi a carne deles com muito gosto".
"Pai, por favor, pare. Podemos ir para a casa e esquecer tudo isso, okay?"
"Não quero que você sinta o que eu senti. Não quero vê-la sendo traída por seus supostos amigos. Você não merece isso".
"Tá, pai, solta eles, por favor".
Ele sorriu para mim, como se fosse uma situação normal. Então, soltou Mary e Luís, os quais saíram correndo de mãos dadas.
"Viu? São traidores. Não merecem sua amizade. Tanto que saíram correndo. Nem conversaram com você".
"Você é um mendigo, canibal, nojento que os prendeu aqui, enquanto comia na frente deles a carne de uma senhora. Eu correria, se tivesse a chance. E outra: você não é meu pai. Não sei quem você é".
" Como não sou? Lembra dessa foto?", retirou do bolso do terno rasgado, uma foto corroída pelo tempo. Na foto, eu com 5 anos abraçada ao meu pai, o qual usava um terno cinza, sem gravata. Barba por fazer. Parecia um galã de novela. Lembro até hoje daquele dia. Tinha uma sorveteria que vendia sorvete de pitanga. Ele comprou para comemorar o novo emprego que conseguira. Raphael, meu irmão mais velho, ainda morava com a gente naquela época. Minha mãe não era tão amarga como é hoje. Parei por uns segundos, sem pensar em nada.
Comecei a chorar e o abracei com força, ignorando o fedor e o fato dele ser um canibal nojento. Ele dava tapinhas carinhosos em minhas costas.
Fiquei ali, conversando com ele e bebendo. Rimos muito. Até que ele dormiu. Sai dali, fazendo o mínimo de barulho possível. Cheguei em casa e corri postar no blog, mas fiquei com receio, então deixei salvo nos rascunhos.
Acabei publicando, como vocês podem ver.
Bom, até mais.
Juanna.
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